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Camisas da Polícia Penal

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

ESTADO É OBRIGADO A INDENIZAR AGENTE PENITENCIÁRIA POR PERSEGUIÇÃO


http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_peca_movimentacao.jsp?id=9188694&hash=5cbfa52da1a3061949dfda8bdef38d97        
            
SECRETARIA DO JUÍZO DA 1ª VARA COMARCA BOM DESPACHO/MG
JUSTIÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS


Autos: 0074.13.002000-6
Autora: Flávia de Fátima Tavares
Réu: Estado de Minas Gerais

SENTENÇA
I – Relatório
Trata-se de ação de Obrigação de Fazer/Não Fazer c/c Indenização por Danos Morais com Pedido Liminar de Antecipação de Tutela proposta por Flávia de Fátima Tavares em face do Estado de Minas Gerais.
Alegou ser servidora estadual e exercer o cargo de agente de segurança penitenciário desde o ano de 2007. Ainda que nos períodos compreendidos entre 26/06/2007 a 02/01/2011 atuou na Penitenciária da cidade de Teófilo Otoni/MG, e de 03/01/2011 até a presente data está lotada no Presídio de Nova Serrana/MG, lá exercendo suas funções.
Afirmou que nos últimos dois anos, passou a sofrer assédios morais dentro do Presídio pelos seus superiores hierárquicos (Wellington Marques da Costa e demais líderes de equipe), o que, segundo relatou, tem lhe causado inúmeros danos físicos mentais e psicológicos.
Aduziu que está sendo obrigada pelos seus superiores a agir em desconformidade com as normas de Procedimento Operacional Padrão (POP), o que tem gerado insegurança e perigo iminente de dano para autora, para os demais servidores e, inclusive, para os detentos.
Asseverou que seus superiores a obrigam a permanecer nas guaritas do presídio o dia todo, ficando exposta diretamente ao sol, o que lhe causa irritação nos olhos (fotofobia). Salientou que apenas depois de apresentar recomendação médica escrita (f.30) é que lhe permitiram usar as lentes escuras.
Argumentou ainda que todas as vezes que precisava fazer suas necessidades fisiológicas, tinha que implorar aos seus superiores para que mandassem um substituto para o seu posto. Em virtude de essa substituição demorar horas, veio a ser acometida por uma infecção urinária, causada pela retenção da urina (f.28).
Revelou que os colegas de trabalho desejam a todo tempo prejudicá-la, tentando criar precedentes de conduta que desabone o seu currículo. Ainda que não houve qualquer comprovação de conduta ilegal por sua parte.
Sustentou que teve negado o acesso aos registros e documentos dos procedimentos para apuração de conduta irregular, aventando a existência de perseguição (f.59).
Consignou que, semestralmente, requer junto à Diretoria de Pagamentos, Benefícios e Vantagens horário especial de trabalho, em virtude de ser estudante de curso superior (ff.61/72). E que, mesmo após receber a autorização, seus superiores obstaculizam o exercício desse seu direito, em nítida perseguição.
Registrou que a valoração de seu desempenho no trabalho foi reduzida nos últimos dois anos, sob o argumento de suposta redução nos quesitos de “capacidade de trabalho em equipe” e “relacionamento interpessoal” (ff.75/77).
Anotou que exerce suas atividades em regime de plantão 12x36, no horário de 07:00 às 19:00 horas, com direito a 02 folgas mensais. Todavia, a direção do presídio impõe à autora o prazo de 15 minutos para descanso e almoço e quase nunca desfruta das folgas mensais, sendo que sequer foi incluída nas folgas referentes ao mês de março/2013.
Relatou que nos últimos dias o diretor de segurança e os líderes de equipe ordenaram que a autora acompanhasse, sozinha, o detento José Almir durante faxina no presídio. Defendeu que a medida adotada pelos seus superiores compromete a sua segurança e do presídio, de um modo geral. Esclareceu que o Procedimento de Operação Padrão (POP) determina que acompanhamento interno de detentos seja realizado por no mínimo dois agentes penitenciários (f.244).
Assinalou que o POP prevê que as detentas apenas são revistadas por agentes femininos e os detentos, por agentes masculinos, concluindo que não há que se conjecturar a possibilidade de acompanhar detento que não revistou, principalmente, porque agentes femininos não participam de revista em detentos (masculinos). Evidenciou que, apesar de inexistir proibição de que os agentes femininos acompanhem detentos, deve-se ter em mente o princípio da supremacia de força, como forma de segurança de todo o presídio.
Sinalizou que há tratamento diferenciado entre servidores contratados e efetivos, com nítida violação ao princípio da isonomia. Noticiou que em razão do assédio moral que vem sofrendo, encontra-se afastada, em tratamento psiquiátrico, com previsão de retornar ao trabalho no dia 26/04/2013.
Requereu o deferimento da antecipação de tutela para determinar que o requerido, por seus agentes, abstenham-se de praticar todo e qualquer ato que atente contra a segurança, saúde física, mental e psicológica da requerente, principalmente, abstenham-se de: 1) proibir ou dificultar o uso do banheiro pela requerente, quando solicitado; 2) proibir ou dificultar o uso de lentes escurecidas conforme recomendação médica; 3) proibir ou dificultar o acesso a documentos e procedimentos de interesse da requerente, ou em que seja parte, quando solicitados por escrito, mediante protocolo; 4) proibir ou dificultar a saída da requerente do horário especial de estudante, conforme autorizado pela Diretoria de Pagamentos, Benefícios e Vantagens; 5) proibir ou dificultar que a requerente desfrute do intervalo intrajornada, que deve ser de no mínimo 01 hora; 6) abstenham-se de imputar à requerente condutas não praticadas por ela ou sem nenhum embasamento legal; 7) abstenham-se de determinar ordens à requerente de acompanhamento sozinha a detento (masculino ou feminino), sem a presença de no mínimo um agente masculino, além da requerente, ou de qualquer outra ordem que coloque em risco a segurança da requerente e das demais pessoas que trabalham no presídio, inclusive a dos detentos; 8) abstenham-se de remover ou remanejar a requerente para outra unidade prisional, sem que antes haja manifestação desse juízo para tal medida, 9) ainda, que seja fornecida à requerente, no mínimo duas folgas mensais, conforme banco de horas e escala mensal.
Requereu por fim, a procedência dos pedidos da autora, impondo ao réu as obrigações de fazer e não fazer, bem como a condenação do réu em indenizá-la pelos danos morais sofridos.
Requereu os benefícios da justiça gratuita, e deu à causa o valor de R$67.800,00 (sessenta e sete mil e oitocentos reais). Com a inicial vieram os documentos de ff.25/256.
Em decisão de ff.257/262, foi deferida a antecipação de tutela para determinar que o requerido, por seus agentes abstenham-se de: 1) proibir ou dificultar o uso do banheiro pela requerente, quando solicitado; 2) proibir ou dificultar o uso de lentes escurecidas conforme recomendação médica; 3) proibir ou dificultar o acesso a documentos e procedimentos de interesse da requerente, ou em que seja parte, quando solicitados por escrito, mediante protocolo; 4) proibir ou dificultar a saída da requerente do horário especial de estudante, conforme autorizado pela Diretoria de Pagamentos, Benefícios e Vantagens;5) proibir ou dificultar que a requerente desfrute do intervalo intrajornada, que deve ser de no mínimo 01 hora; 6) abstenham-se de determinar ordens à requerente de acompanhamento sozinha a detento (masculino ou feminino), sem a presença de no mínimo um agente masculino, além da requerente, ou de qualquer outra ordem que coloque em risco a segurança da requerente e das demais pessoas que trabalham no presídio, inclusive a dos detentos, nos termos do Procedimento Operacional Padrão;7) abstenham-se de remover ou remanejar a requerente para outra unidade prisional, sem que antes haja manifestação desse juízo para tal medida.
O Estado de Minas Gerais aviou agravo de instrumento em face da decisão que deferiu a antecipação de tutela (ff.306/307), tendo o TJMG não conhecido o recurso (f.437).
Devidamente citado, o Estado de Minas Gerais apresentou defesa às ff.323/330, pugnando pela improcedência da ação, ao argumento de que a condição debilitada de saúde da autora é preexistente à sua lotação no Presídio de Nova Serrana; que a autora jamais solicitou ou questionou aos superiores hierárquicos quanto à necessidade de utilização das lentes escuras, sendo que quase todos os servidores da unidade fazem uso de lentes escuras e nunca foram questionados a respeito; que quanto a proibição de uso do banheiro, estando a autora trabalhando na guarita, não poderia deixar o posto a qualquer momento, fazendo necessário observar as regras de substituição; que quanto proibição de acessar procedimentos administrativos de seu interesse, tem como causa o caráter inquisitorial da investigação contra a autora; que todos os servidores em comum acordo, reduziram o tempo de refeição, sendo-lhes compensados durante as folgas; que a autora não acompanhou qualquer detento sozinha; que é totalmente descabida a alegação da autora de vem sofrendo assédio moral; que quanto à permissão para saída da autora no horário especial de estudante, tal pedido foi indeferido por falta de documentação comprobatória (incompleta). Requereu a improcedência da ação. Com a defesa vieram os documentos de ff.331/349.
Sobreveio impugnação às ff.350/357.
Intimadas para especificação de provas, as partes pugnaram pela produção de prova testemunhal (ff.358 e 359).
Às ff.369/408 foram acostados aos autos documentos novos pela autora, sendo aberto vistas ao réu dos mesmos (f.409).
Realizou-se audiência de instrução e julgamento, oportunidade em que foram ouvidas três testemunhas da parte autora, e três testemunhas da parte requerida. Na oportunidade, a autora pugnou pela juntada de cópia de novo “ajustamento funcional”, o que foi deferido. Por fim, foi aberto vista as partes para fins de alegações finais, ff.414/422.
Sobreveio alegações finais às ff.428/430 e 431/435.
Vieram conclusos para julgamento.
II – Fundamentação
Na hipótese em análise, o pleito tem como fundamento um suposto assédio moral sofrido pela autora dentro do Presídio de Nova Serrana por parte de seus superiores hierárquicos.
Pois bem.
Muito embora a responsabilidade civil do Estado possua previsão legal no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, "Anote-se que a responsabilidade civil do ente público pelo assédio moral praticado pelo superior hierárquico contra servidor é subjetiva, sendo inaplicável a regra do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Isto porque 'o servidor público que se diz vítima de assédio moral por superior hierárquico não se equipara ao 'terceiro' aludido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal. Desse modo, para fins do estabelecimento da obrigação indenizatória, além da comprovação do evento danoso, do dano moral e do nexo de causalidade entre ambos, é indispensável a demonstração da culpa do ente público, em qualquer uma de suas vertentes (AC 2008.025359-5, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros)" (TJSC, AC n. 2008.069114-2, relª. Desª. Sônia Maria Schmitz, j.0004209-72.2013.8.24.0079 6 M27892 Gab. Des. Subst. Francisco Oliveira Neto 13.12.12).
Diante disso, o pedido de indenização formulado deverá ser analisado com fundamento no art. 7º, XXVIII, da CRFB/88, artigos 186 c/c 927, ambos do Código Civil, e art.3º da Lei Complementar 116/2011, de forma que deve ser comprovada a culpa do ente público, cujo ônus, a teor do art. 373, I, do CPC/15, incumbe à parte autora.
O assédio moral, por sua vez, consiste em:
“toda conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atenta, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, colocando em perigo seu emprego ou degradando seu ambiente de trabalho” (Marie France Hirigoyen apud Gamonal Contreras, Sergio; Prado López, Pamela. El Mobbing o Acoso Moral Laboral. Chile: Lexis Nexis, 2006).
Sobre o assédio moral no ambiente de trabalho, leciona Nordson Gonçalves de Carvalho:
"Não obstante a subordinação jurídica do empregado perante o empregador, essa condição não permite que este trate o trabalhador de modo desrespeitoso, humilhante, degradante, violando assim sua dignidade e condição de ser humano. De notar que todas as ocorrências dentro do ambiente de trabalho que não se compatibilizem com condições dignas de trabalho estão em desacordo com a dignidade da pessoa humana do trabalhador e, por conseguinte, devem ser reprimidas. [...]
A vítima, sujeito passivo do assédio moral, é o empregado que sofre reiteradas e sistemáticas agressões morais, que tem por objetivo isolá-lo e excluí-lo da organização de trabalho.
A exposição da vítima a tais ações perversas compromete sua própria identidade, sua dignidade pessoal e profissional, produzindo reflexos negativos no seu desempenho dentro da organização empresarial e, principalmente, acarretando danos pessoais à sua saúde (física e mental), culminando, assim, na incapacidade para o exercício profissional e o consequente afastamento das atividades laborativas, podendo até mesmo levar à depressão e ao suicídio". (Assédio moral da relação de trabalho. São Paulo: Rideel, 2009, p. 72-76).
Vejamos ainda, o teor do art.3º, §1º da Lei Complementar nº.116/2011, que dispõem sobre a prevenção e a punição do assédio moral na administração pública estadual:
Art. 3° Considera-se assédio moral, para os efeitos desta Lei Complementar, a conduta de agente público que tenha por objetivo ou efeito degradar as condições de trabalho de outro agente público, atentar contra seus direitos ou sua dignidade, comprometer sua saúde física ou mental ou seu desenvolvimento profissional.
§ 1° Constituem modalidades de assédio moral:
I – desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem de agente público, valendo-se de posição hierárquica ou funcional superior, equivalente ou inferior;
II – desrespeitar limitação individual de agente público, decorrente de doença física ou psíquica, atribuindo-lhe atividade incompatível com suas necessidades especiais;
III – preterir o agente público, em quaisquer escolhas, em função de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, posição social, preferência ou orientação política, sexual ou filosófica;
IV – atribuir, de modo frequente, ao agente público, função incompatível com sua formação acadêmica ou técnica especializada ou que dependa de treinamento;
V – isolar ou incentivar o isolamento de agente público, privando-o de informações, treinamentos necessários ao desenvolvimento de suas funções ou do convívio com seus colegas;
VI – manifestar-se jocosamente em detrimento da imagem de agente público, submetendo-o a situação vexatória, ou fomentar boatos inidôneos e comentários maliciosos;
VII – subestimar, em público, as aptidões e competências de agente público;
VIII – manifestar publicamente desdém ou desprezo por agente público ou pelo produto de seu trabalho;
IX – relegar intencionalmente o agente público ao ostracismo;
X – apresentar, como suas, ideias, propostas, projetos ou quaisquer trabalhos de outro agente público;
XI – (Vetado)
XII – (Vetado)
XIII – (Vetado)
XIV – valer-se de cargo ou função comissionada para induzir ou persuadir agente público a praticar ato ilegal ou deixar de praticar ato determinado em lei.
§ 2° Nenhum agente público pode ser punido, posto à disposição ou ser alvo de medida discriminatória, direta ou indireta, notadamente em matéria de remuneração, formação, lotação ou promoção, por haver-se recusado a ceder à prática de assédio moral ou por havê-la, em qualquer circunstância, testemunhado.
§ 3° Nenhuma medida discriminatória concernente a recrutamento, formação, lotação, disciplina ou promoção pode ser tomada em relação a agente público levando-se em consideração:
I – o fato de o agente público haver pleiteado administrativa ou judicialmente medidas que visem a fazer cessar a prática de assédio moral;
II – o fato de o agente público haver-se recusado à prática de qualquer ato administrativo em função de comprovado assédio moral.
Como se vê, a configuração do assédio moral está diretamente relacionada à ocorrência de comportamento irregular pelo superior que se prolonga no tempo.
No contexto apresentado, constata-se que efetivamente a servidora logrou êxito em comprovar o abalo moral sofrido no exercício do cargo.
A autora é servidora pública do Estado de Minas Gerais, ocupante do cargo efetivo de Agente de Segurança Penitenciário, tendo sido aprovada no concurso público realizado pela Secretaria de Defesa Social – SEDS, no ano de 2005, edital SEPLAG nº.03/2005.
A autora exerceu suas funções, primeiramente, na Penitenciária da cidade de Teófilo Otoni/MG, no período de 26/06/2007 a 02/01/2011, quando pediu remoção para o Presídio de Nova Serrana/MG.
Em essência, a narrativa é de que, a autora desde que começou a trabalhar no presídio de Nova Serrana, está sendo severamente assediada pelos seus superiores hierárquicos, o que estaria prejudicando sua saúde.
Afirmou que permanecia na guarita por 12 horas ininterruptas sem poder ir ao banheiro, o que teria acarretado uma infecção urinária; que foi diagnosticada com quadro de fotofobia intensa por exposição direta ao sol, e por ser proibida de usar lentes escurecidas durante o período de trabalho; que teve negado acesso a registros e documentos; que seus superiores determinam que a mesma realize serviços sem urgência no horário próximo a sua saída para a faculdade; que a direção do presídio impõe que seja feito somente 15 minutos para descanso e almoço; que recebeu ordens para acompanhar sozinha o detento José Almir, ordem contrária ao POP.
Pela farto catálogo probatório constante nos autos, notadamente pela oitiva das testemunhas ouvidas em Juízo, não restam dúvidas de que a autora sofreu assédio moral por partes de seus superiores hierárquicos.
Vejamos o depoimento da testemunha Karyne Gomes Pinheiro às ff.415/415v:
“que a depoente trabalhou como agente penitenciária no presídio de Nova Serrana juntamente com a autora no período de julho de 2012 a julho de 2015; que a depoente era contratada; que os cargos comissionados de coordenação em segurança, inteligência e inspetoria, deveriam ser providos por pessoas que ocupassem cargos efetivos; que no presídio de Nova Serrana isto não era obedecido, sendo que era dado preferência para as pessoas do círculo de amizade da direção do presídio; que o horário de trabalho do agente penitenciário é escala de plantão de 12 horas de serviço por 36 de descanso; que não era feito horário para almoço; que pediam autorização para o líder de equipe para sair para almoçar dentro do próprio presídio no menor tempo possível; que a depoente demorava em média de 15 a 20 minutos; que ninguém fazia uma hora de almoço; que apenas a autora posteriormente passou a fazer uma hora de almoço, sendo descontado em horas extras; que havia um banco de horas e posteriormente poderia haver a liberação ou não, sendo a critério do Diretor de Segurança; que toda saída do posto de trabalho do agente penitenciário tem que ser autorizada pelo líder de equipe; que a situação mais difícil era pra quem trabalhava na Guarita onde não havia banheiro, sendo que era necessário a comunicação com o líder via rádio para solicitar que outro agente fosse para o local para permitir a saída; que tem conhecimento de que uma agente fazia suas necessidades dentro de um balde ou copo descartável considerando a demora de comparecimento de outro agente; que a autora trabalha na Guarita e já ouviu a mesma solicitando autorização pelo rádio para deixar o posto para ir ao banheiro; que a direção do presídio não entrega documentos aos agentes, alegando que pertencem ao estado; que a depoente chegou a presenciar várias vezes, uma vez que ouvia pelo rádio a autora solicitar “rendição” para ir ao banheiro, ou também para ir almoçar e as vezes demorar horas para ser atendida; que o agente penitenciário não pode acompanhar detento dentro do presídio sozinho; que já presenciou o Diretor de Segurança Wellington Marques dar ordens para o líder de equipe Alisson Penido, Douglas Willian para que as agentes femininas acompanhassem detentas sozinhas, às vezes duas detentas e uma agente que também já aconteceu de um detento e uma agente feminina; que logo quando entrou para o presídio ouvia comentários por parte de todos os agentes se referindo a autora como “aquela que vive de atestado.
que a depoente ouviu pelo rádio o líder de equipe Alisson Penido dificultar o acesso da autora ao banheiro; que Alisson dificultava o acesso da autora e de outra agente de nome Lusmarina; que durante um mês a autora trabalhava de oito a dez dias na Guarita.” Grifei
A testemunha Graziela Camargos também revelou à f.416:
“que a depoente trabalhou como agente penitenciária em Nova Serrana de 2009 a 2012; que já trabalhou com a autora em regime de plantão; que não faziam horário de almoço; que já presenciou demora no atendimento “a rendição” a pedido da autora quando estava na Guarita para que a mesma fosse ao banheiro, sendo que demora as vezes era de 30 minutos a uma hora; que ouvia pelo rádio o pedido da autora; que as vezes o tempo poderia ser até maior, mas não tem como precisar; que a depoente já recebeu ordens para acompanhar detentas dentro do presídio estando sozinha; que não é uma procedimento seguro.” Grifei
O depoimento da testemunha do Estado de Minas Gerais, Sr. Alisson Penido dos Santos, revela que o próprio inspetor do Presídio contraria as normas do POP (Procedimento Operacional Padrão – item 6.2.5 f.111), permitindo que o deslocamento de preso para as áreas internas do presídio seja feita somente por um agente penitenciário, vejamos:
“(...)que já determinou a autora para acompanhar o detento José Almir, estando a autora sozinha; que a autora não cumpriu a ordem; que o depoente comunicou o fato a direção do presídio, não se recordando o que aconteceu em seguida.” Grifei f.418
E por fim, e não menos importante, está o depoimento da testemunha Marcelo Álvaro Teixeira, f.417:
“que o depoente é agente penitenciário efetivo exercendo suas funções no presídio de Nova Serrana desde janeiro de 2015; que a portaria do presídio é um posto armado; que já presenciou o líder de equipe de nome Douglas William dar ordens para que a autora assumisse suas funções na portaria do presídio; que a autora não cumpriu esta ordem, uma vez que a mesma não pode “mexer com armas”; que em decorrência do descumprimento Douglas colocou a autora “de castigo” na cozinha lendo cartas de detentos; que acredita que a autora ficou constrangida, pois todos passavam e a viam naquele lugar onde ninguém fica; que não sabe o período em que autora ficou na cozinha.
que o depoente é que deduziu que seria castigo para a autora ficar na cozinha lendo cartas, uma vez que ninguém fica sentado na cozinha durante o expediente lendo cartas; que a arma fica na portaria do presídio onde é entregue para o agente; que nunca viu ninguém trabalhar na portaria sem arma.”
Dos depoimentos acima narrados, percebe-se claramente que a autora sofre uma pressão, um desgaste muito grande por parte de seus superiores, os quais degradavam as condições de trabalho da autora, comprometendo seus direitos, bem como sua saúde física e mental.
Insere-se que a autora é impedida de usufruir de seus direitos, bem como de fazer suas necessidades fisiológicas a tempo e modo necessários, sendo humanamente impossível, uma pessoa suportar ficar horas sem urinar quando já se estava necessitada no momento em que pediu rendição, o que consequentemente, acarretou a infecção urinária na autora, conforme comprovado pelo documento de f.29, o que se amolda na disposição inserta no art.3º, §1º da Lei nº.116/2011, notadamente o inciso II e IV.
Infere-se ainda, que o réu, através de seu Inspetor, contraria as normas do POP (Procedimento Operacional Padrão), notadamente o disposto no item 6.2.5 (f.111), colocando em risco a integridade física da autora, bem como dos detentos e outros servidores, o que amolda na disposição inserta no art.3º, §1º da Lei nº.116/2011, notadamente o inciso I e XIV. Acrescento, que para piorar a situação, em face da autora ainda eram feitos comunicados de condutas quando a mesma se negava a acatar ordens que estavam em flagrante desconformidade com o POP ((Procedimento Operacional Padrão).
Vejo ainda, que não há óbice legal que impeça a autora de usar lentes escuras quando estiver exercendo suas funções na guarita, mais um impedimento injustificado gerado pelos superiores hierárquicos da autora que demonstram uma “perseguição” com a mesma.
Quanto ao acesso aos documentos pugnados pela autora, bem como do deferimento do horário especial de saída para a faculdade, tenho comigo que a dificuldade de concessão dos requerimentos, só revelam o nítido caráter de prejudicar a autora.
Quanto ao gozo de uma hora para o almoço e descanso, verifico que a concessão de apenas aproximadamente 20 minutos para este fito é para todos os agentes penitenciários, o que não demonstra perseguição contra a autora.
No tocante ao pleito de aplicação de multa por descumprimento da liminar, tenho comigo que a autora não logrou êxito em efetivamente comprová-lo, eis que os documentos acostados não se prestam a este fim.
Por todo o exposto, e diferentemente do alegado pelo réu, resta devidamente comprovado o ilícito praticado contra a autora, como também o nexo causal entre o evento danoso e o dano sofrido. Isso porque a chefia imediata da autora agiu dolosamente ao praticar ato desrespeitoso e degradante, obrigando a passar por situação constrangedoras e degradantes, comprometendo seus direitos, bem como sua saúde física e mental.
Neste contexto, denota-se que o assédio moral restou devidamente configurado, mormente a considerar a flagrante situação de constrangimento em relação aos demais colegas.
Neste sentido, colhe-se da jurisprudência:
"APELAÇÕES. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR ABALO ANÍMICO. SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO-RÉU CONFIGURADA. ASSÉDIO MORAL DEVIDAMENTE PROVADO. DANO PATENTEADO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM MANTIDO. JUROS DE MORA. COMPUTAÇÃO A PARTIR DO EVENTO DANOSO. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO E DO RÉU DESPROVIDO. I. 'O servidor público que se diz vítima de assédio moral por superior hierárquico não se equipara ao 'terceiro' aludido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal. Desse modo, para fins do estabelecimento da obrigação indenizatória, além da comprovação do evento danoso, do dano moral e do nexo de causalidade entre ambos, é indispensável a demonstração da culpa do ente público, em qualquer uma de suas vertentes' (TJSC - Apelação Cível n. 2008.025359-5, de Blumenau, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 2.7.2008), culpa esta devidamente positivada no caso concreto. [...] (TJSC, Apelação Cível n.2015.024339-0, de São José, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 16-06-2015).
Sendo assim, a considerar a ocorrência do assédio moral pautada no abalo psicológico sofrido pela autora em decorrência da conduta dos agentes públicos, seus superiores hierárquicos a época dos fatos que, como já dito, sofreu inegáveis constrangimentos e limitações durante o exercício de suas funções de agente penitenciária.
Rumamos então para o tormentoso problema da quantificação do s danos morais. Reconheço que há ausência normativa para o estabelecimento de critérios quantificativos, devendo ser apanhados alguns elementos que servirão de guia para o estabelecimento do quantun respectivo.
Conforme entendimento de Aparecida Amarante,
“em certas matérias, como a honra, não é possível calcular a indenização precisa, pois esta consiste na atribuição ao prejudicado de uma importância em dinheiro correspondente ao interesse atingido”. (AMARANTE, Aparecida I., Responsabilidade Civil por Dano à Honra, Belo Horizonte: Del Rey, 4o ed., 1998, p.258)
A indenização por dano moral tem caráter dúplice, pois tanto visa a punição do agente quanto a compensação pela dor sofrida. A determinação do montante indenizatório deve ser feita tendo em vista a gravidade objetiva do dano causado e a repercussão que o dano teve na vida do prejudicado; o valor deve, ainda, impedir que o ofensor se evada de novas indenizações, evitando infrações danosas.
Tenho por razoável, no caso em tela, fixar a indenização moral no montante de R$ 20.000,00(vinte mil reais), o que a meu ver atende os critérios da razoabilidade e proporcionalidade e mostra-se efetivo à repreensão do ilícito e à reparação do dano, sem, em contrapartida, constituir enriquecimento indevido.
Sobre o assunto, leciona Sérgio Cavalieri Filho:
"Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes" (in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116).
III- Dispositivo

Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial que Flávia de Fátima Tavares formulou em face do Estado de Minas Gerais, tornando definitiva a liminar de ff.257/262, e para condenar este último ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$20.000,00 (vinte mil reais), corrigidos monetariamente, pelos índices da Tabela da CGJ, a partir do ajuizamento da ação, acrescida de juros de mora de 1%(um por cento) ao mês, a contar da citação.
Custas pelo réu, isento nos termos do artigo 10, I da Lei Estadual 14.939/03.
Condeno o réu ao pagamento de honorários sucumbenciais que fixo em 15% sobre o valor da condenação, por força do artigo 85 § 3º, I do CPC.
Deixo de determinar a remessa necessária, por força do artigo 496,§3º, II do CPC.
Transitada em julgado, arquive-se.
P.R.I.
Bom Despacho, 08 de novembro de 2.016.

Sônia Helena Tavares de Azevedo

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